As respostas criativas que várias empresas têm dado para a crise da Covid-19 marca o nascimento de uma nova estrela no cenário corporativo: os “intraempreendedores sociais”. Eles são os colaboradores que procuram engajar a empresa em que trabalham na solução de problemas ambientais ou sociais -e que ganharam destaque muito maior com a pandemia. Um recente relatório conjunto da Fundação Schwab, Yunus Negócios Sociais e Fundação Porticus, joga luz sobre a crescente importância desses funcionários, não apenas para a sociedade em geral, mas especialmente para suas próprias empresas.

A 50ª Reunião Anual do Fórum Econômico Mundial, em janeiro de 2020, teve como tema central o “capitalismo das partes interessadas” (ou “stakeholder capitalism”), a idéia de que as empresas devem servir aos interesses de toda a sociedade, e não apenas gerar dividendos para os seus acionistas. Com a pandemia, esse conceito ganhou importância capital. Mas enquanto os empreendedores sociais e suas ONGs há anos vêm sendo conhecidos e reconhecidos, com direito a diversas premiações e estrelato nas redes sociais, os intraempreendedores sociais, que trabalham com o mesmo objetivo dentro de uma corporação, somente agora ganham identidade e começam a ser amplamente valorizados.

O relatório “Negócios Não Usuais: Como os Intraempreendedores Sociais Podem Transformar Empresas em uma Força para o Bem”, que pesquisou mais de 50 intraempreendedores sociais em todo o mundo, documenta e analisa sua experiência na construção de negócios sociais dentro de empresas e corporações. O documento mapeia os obstáculos enfrentados pelos intraempreendedores e descreve os passos necessários para que outros sigam esse caminho.

Um dos entrevistados na pesquisa é o colaborador da multinacional de gases industriais Air Liquide que dentro dela criou a Access Oxygen, um negócio social que fornece oxigênio médico para centros de saúde no Senegal. Suas “Casas de Oxigênio”, pilotadas por microempreendedores locais, oferecem produtos, manutenção, treinamento e ferramentas digitais indispensáveis para o funcionamento do sistema médico do país. Outro é responsável pela Arogya Parivar, criada dentro da farmacêutica Novartis para vender remédios a preços acessíveis para comunidades rurais da Índia através representantes autônomos locais. Essa iniciativa, que já tratou e diagnosticou mais de 3 milhões de pessoas e beneficiou outros 40 milhões com sessões de educação em saúde, gera renda para mais de 500 trabalhadores das próprias comunidades beneficiadas.

O que é preciso para ser um intraempreendedor social?

Segundo o relatório, a jornada de um intraempreendedor social corporativo tem seis etapas;

Início: intraempreendedores sociais bem-sucedidos possuem uma motivação intrínseca, a firme crença na sua capacidade de fazer a diferença dentro de sua empresa. Seja adaptando rapidamente suas cadeias de valor para começar a produzir desinfetantes e máscaras para as mãos, ou fornecendo consultas on-line ou serviços de ensino, tudo começa com a necessidade íntima de fazer uma transformação positiva no mundo.

Intenção estratégica: 76% dos intraempreendedores sociais que tiveram apoio dos executivos de sua empresa em qualquer estágio da iniciativa descreveram esse suporte como o fator decisivo para o sucesso.

Ideação: os intraempreendedores sociais afirmam que seu maior desafio é desenvolver um bom entendimento das necessidades dos beneficiários de suas iniciativas. Parcerias com empreendedores sociais e ONGs que possuem conhecimento de campo se revelaram vitais para superar esse obstáculo.

Teste: a pilotagem e a iteração são um fator chave de sucesso, com uma abordagem enxuta funcionando melhor, de acordo com 32% dos entrevistados.

Implementação: 55% dos intraempreendedores lutaram para conseguir apoio interno além do nível do conselho e para mobilizar recursos. Ao mesmo tempo, 45% creditaram seu sucesso a práticas corporativas clássicas (como definir ciclos orçamentários e métricas financeiras de curto prazo) e ao estabelecimento de unidades de negócios separadas ou mesmo entidades legais totalmente independentes.

Escala: a escalabilidade é de vital importância para empresas sociais com margens mais baixas. Medir e avaliar o impacto gerado é essencial para comprovar os benefícios para a empresa e a sociedade.

Por que as corporações devem aderir?

Os benefícios do intraempreendedorismo social para a própria empresa são, no mínimo, tão grandes quanto os gerados para a sociedade como um todo. Cinco descobertas essenciais demonstram o valor do intraempreendedorismo social:

  • 77% dos entrevistados apontam a melhora no envolvimento dos funcionários, satisfação no trabalho, habilidades dos funcionários ou a atração de talentos;
  • 61% dizem que as iniciativas levam a mudanças de mentalidade, mudança de cultura e iniciam transformações corporativas;
  • 50% afirmam que ele estimula a inovação nos negócios;
  • 39% apontam que ele abre novos mercados e atrai novos clientes;
  • 32% indicam aumento no valor da marca corporativa.

Entretanto, a pesquisa mostra que, para 84% dos entrevistados os obstáculos internos foram muito mais desafiadores do que os externos. Um participante do estudo resumiu o problema afirmando que “o sistema imunológico corporativo que ataca qualquer coisa que não pareça maximização de lucro”. Isso significa que os intraempreendedores sociais têm mais dificuldade em obter adesão interna dos outros colaboradores da empresa do que do que em para realizar tarefas aparentemente muito mais complexas, como entregar medicamentos ou água potável em zonas remotas da África.

Os CEOs que não se beneficiam do intraempreendedorismo social estão deixando enormes oportunidades de lado. O relatório comprova que o intraempreendedorismo social tem o poder de mudar radicalmente o DNA de uma corporação, com 24% dos entrevistados dizendo que vêem sua iniciativa como um catalisador para a transformação da empresa.

Enquanto lutamos com o impacto logístico e médico imediato da crise do Covid-19, há uma questão mais ampla sobre o objetivo dos negócios quando o mundo emergir do isolamento. O caminho dessa transformação não será fácil, mas ele proporciona uma enorme oportunidade para as empresas demonstrarem como podem servir à sociedade. No novo normal que está para surgir, só as empresas mais dispostas a inovar e se adaptar sobreviverão. Olhar internamente para o poder dos intraempreendedores sociais e valorizar sua atuação dentro de sua corporação é a chave para a sobrevivência dos negócios neste mundo em rápida transformação.